História

 CU2AK  (1929 – 1994)

O RADIOAMADORISMO NA REGIÃO AÇORES

SUBSIDIOS PARA A SUA HISTORIA

    É no passado que reside a história e é nesta que, por principio, se espelha a verdade e a perpetuação dos factos. O dia de hoje, porque passado no futuro, será por certo, um dos mais prestigiantes marcos da história do radioamadorismo nos Açores porque nele se começa a dar corpo a uma feliz iniciativa da AMSAT – PO, com o inteiro apoio e empenhamento da Associação dos Radioamadores dos Açores, conducente á junção de pessoas, jovens e menos jovens, irmanadas todas elas pela grande vontade de trocar experiências e enriquecer os seus conhecimentos, numa actividade que, embora menosprezada por alguns que nela apenas vislumbram uma simples brincadeira, é, na realidade, bastante mais séria e assenta, indubitavelmente, em irrefutaveis bases cientificas.

Posto isto vamos abordar de imediato o tema a que nos propuzemos e que nada mais é do que subsidiarcomos conhecimentos de que dispomos e as recordações que ainda subsistem a

HISTORIA DO RADIOAMADORISMO NA REGIÃO AÇORES

    Ainda ha relativamente pouco tempo não se sabia ao certo como o radioamadorismo tinha tido o seu inicio na nossa Região. Por mero acaso um colega nosso, Roberto Freitas do Espirito Santo, de seu nome, possuidor do indicativo CU2EA, conheceu numa das reuniões semanais do clube de radioamadores da cidade canadiana de Cambridge, o senhor Marshall Killen, um veneravel ancião rondando os noventa anos de existência mas ainda hoje activo exclusivamente em telegrafia. Disse-lhe este Senhor ter sido o primeiro radioamador a transmitir dos Açores, com estação montada na cidade da Horta.

    Porque isto para nós era uma autentica revelação, pedimos ao nosso colega António Figueiredo, tambem ele residente em Cambridge com indicativo pessoal VE3HDA, que solicitasse ao Sr. Marshall Killen, hoje VE3KK, uma entrevista, ao que prontamente acedeu.

Ficamos então a saber que o Sr. Killen pertencia àquele grupo de elite, constituido pelos radio-telegrafistas e radiomontadores de então e os que, até ao advento de novas tecnologias, se lhes seguiram. Transmitir e receber em codigo Morse a uma velocidade de oitenta ou mesmo mais caracteres por minutos, durante horas a fio, com o fim de fazer chegar a tempo e horas os os extensos boletins que as agencias noticiosas lhes confiavam e encaminhar, com a devida brevidade, os muitos telegramas que passavam pelas ondas hertezianas, para além do apoio à navegação, não era realmente uma tarefa fácil, tanto pela concentração como pela rapidez de reflexos que tal trabalho exigia.

    Pertencia o Sr. Marshall Killen aos quadros da Western Union, uma das seis companhias sediadas na cidade da Horta, com cerca de 300 funcionarios, que asseguravam as comunicações por cabo submarino entre o Novo Mundo e a Europa. Isto, só por si, demonstra claramente a importância que os Açores tinham nas comunicações intercontinentais mercê da sua situação geográfica. Tinha o Sr. Killen sido transferido de Anzio, perto de Roma, para a Hortalogo após o grande sismo que assolou a Ilha do Faial em 1926. Trouxe o seu equipamento de Romae cedo contactou com Lisboa.

Estava-se então em 1927, ano em que o Senhor Marshall Killen solicitou aos CTT a necessária licença de instalação da sua estação. Devido à eterna confusão entre os Açores e a Madeira foi-lhe concedido o prefixo madeirense EP3 a que ele acrescentou as iniciais do seu nome, ficando com o indicativo de chamada EP3MK. Em 1928, ao descobrirem que, de facto, tinha havido confusão, deram-lhe o prefixo EP2 que viria a ser modificado, ainda no mesmo ano, para CT2AA, após a primeira Reunião da Internacional Radio Amateur Union (IARU).

Aos Irmão Max e Gus Corpucius foram atribuidos respectivamente os indicativos CT2AB e CT2AD. John Cook da Western Union recebeu o indicativo de CT2AC. Recordando ainda o Sr. Marshall Killen de, em 1930, ter sido atribuido ao Sr. John Davies, casado com uma senhora faialense, tragicamente falecido por electrocução, o indicativo de CT2AN e de, até 1939, data do inicio da Segunda Grande Guerra Mundial, terem existido no Faial mais de 20 estações de amador.

Conta ainda o Sr. Killen que ele e os irmãos Corpusius devem por certo ter feito a primeira expedição de radio ao topo da montanha do Pico e que um dos guias e simultaneamente carregador levou as baterias com que iriam alimentar a estação de pernas para o ar. Lembra-se do Sr. José Medeiros, presentemente KA2CIK e do Sr. Manuel Teles de que não temos qualquer informação como radioamador. Depois da guerra foi de novo enviado para a Horta como chefe da Western Union mas já a Companhia estava inteiramente mecanizada e com apenas 50 funcionários. As transmissões via eter puseram termo às companhias de cabo submarino e o grande edificio que albergou as companhias é hoje uma escola tecnica e a séde é, presentemente, um Hotel de 4 estrelas. Curiosamente o Sr. Killen dá a entender que numca estabeleceu contacto com nenhuma outra estação açoriana fora da ilha do Faial e que soube, apenas vagamente, que existiam alguns radioamadores em Ponta Delgada.

    Comunicação a cem por cento estabeleceu sim, na banda dos 40 metros, com o telegrafista do Zeplin GRAF, que alterou ligeiramente a sua rota para passar sobre a cidade da Horta que fotografou, fotografia esta que posteriormente enviou ao sr. Killen e conjunto com o seu cartão. A Associação dos Radioamadores dos Açores possui uma destas fotografias bem como outras em que se podem ver as várias fases das estações EP3MK e CT2AA, oa respectivos cartões de QSL, a pessoa do sr. Marshal Killen nessa altura e presentemente e ainda o seu certificado de sócio nº 21 da Rede de Emissores Portugueses datado de 7 de Avril de 1928.

    Foi certamente no periodo entre 1930e 1939 que estiveram activas em S. Miguel as estações CT2AV e CT2AJ respectivamente de Henrique Pereira da Costa e João Soares Junior. Não se sabe ao certo se nessa altura já existia um Regulamento de Estações de Amador ou pelo menos uma Lei Geral em que as comunicações de amador estivevessem inseridas mas, se havia, a sua fiscalização devia ser bastante percária ou até inexistente na medida em que estas duas estações transmitiam quaise diariamente musica gravada e até ao vivo concertos de piano, violino e canto, competindo entre si no que respeitava à qualidadede programas e condições técnicas, o que seria, supostamente, proibido. As duas eram avidamente procuradas pelos habitantes de Ponta Delgada que tinham a sorte de ter um receptor de radioo que, na altura, não era para qualquer um. Seriam, na época, uma espécie das actuais radios locais com a grande diferença de não terem fins lucrativos e trabalharem exclusivamente por carolice e amor à causa. Foram, disso estamos convictos, os grandes pioneiros da broadcasting em S. Miguel, antecipando-se em muito ao ex Emissor Regional dos Açores, hoje RDP/A. Forma aliás, proibidos de transmitir musica quando esta dependência da Emissora Nacional se instalou nos Açores.

Outros dosi grandes nomes do radioamadorismo micaelense foram José de Vasconcelos Cesar (2º CT2AC) e Gil Vicente Carreiro (CT2BO).

O primeiro, funcionário de finanças por profissão, pessoa muito culta e multi facetada, alma artística e poeta de reconhecido valor, dedicava muito do seu tempo ao estudo da rádio, ciência que entre nós estava ainda quase que nos primórdios. Chegou a trabalhar em part time na Firma João Soares onde adquiriu apreciáveis conhecimentos com Mr. Smith, um engenheiro inglês que naquela firma prestou alguns serviços. Com os seus dois filhos, Ricardo e Júlio, também eles radioamadores, fundou um estabelecimento de venda e reparação de aparelhos de rádio e não só, que era paragem obrigatória para todos quantos pela rádio se interessavam. Muitos com eles aprenderam o que era a rádio e, tão importante como isso, a estar nela, com a devida cortesia e correcção. Alguns ficaram ainda a dever à sua mestria, amizade e vontade de ajudar, a construção dos seus equipamentos e a solução das avarias que surgiam muito amiudadamente.

O segundo seguiu as pisadas de seu pai, um radio-telegrafista de reconhecida competência. Prestou primeiro serviço na marinha mercante e depois na Rádio Marconi. De tal modo amava o rádio que, depois de um cansativo dia de serviço de chave em punho, ainda ia para sua estação espalhar o nome dos Açores por esse mundo além. Também nele encontravam todo o apoio os que necessitavam dos seus ensinamentos.

Falecidos há relativamente pouco tempo, curvamo-nos reverentemente perante a sua memória.

Recordam-se ainda os nomes de Augusto Moura, conceituado desportista e professor de educação física e Manuel António de Vasconcelos, o mestre em todas as artes, que foram também radioamadores, estes falecidos há já algum tempo.

Existem também algumas informações sobre o Dr. Egas de Castro, comprovadamente pessoa muito interessada em tudo quanto dizia respeito à rádio e que mantinha uma oficina de produção e reparação de baterias mas não se sabe ao certo se foi ou não radioamador.

Resta dessa época de pioneiros o Sr. Adriano Oliveira, funcionário superior dos C.T.T., residente no Continente, que para sorte nossa, aqui passou grande parte dos seus anos.

Em situações de convulsão ou guerra a actividade dos radioamadores era imediatamente suspensa. Dizemos era porque agora tudo indica que tal situação já se não verifica uma vez que, tanto no caso do Afeganistão, como no do Líbano e mais recentemente na ex-Jugoslávia, passando pelas crises étnicas da ex União Soviética, as comunicações de amador em plena guerra não sofreram qualquer interrupção.

Por ordem da PIDE, que alias exercia grande controle no radioamadorismo pois, ninguém podia submeter-se a exame para radioamador sem antes ter recebido boa informação daquela organização, o radioamadorismo açoriano e o de todo o pais sofreu uma interrupção de 1939 até ao inicio dos anos cinquenta. Não temos qualquer informação de actividade durante este período. Foi sensivelmente a meio dos anos cinquenta que começaram a surgir novos nomes no radioamadorismo açoriano. Fernando Gamboa, CT2AH, cuja estação em Santa Maria dava guarida a mais seis operadores, presentemente titular do indicativo KA1PCN nos Estados Unidos, Albino Santos CT2AI de longa data emigrado no Canadá, José dos Santos Moreira, o segundo ou terceiro CT2AJ, presentemente, CU2AJ, com residência e estação na freguesia das Furnas, João Manuel Vasconcelos Raposo ex CT2AK presentemente CU2AK, Jacinto Fernando Gil, ex CT2AO actualmente CU2AA. Tinha ainda carta de radioamador embora sem estação o nosso colega José Maria França, agora CU2GE. Posteriormente surgiu CT2AP, Victor Jorge Pamplona Ramos, presentemente CU3AP, primeiro radioamador de que temos noticia na ilha terceira, CT2IR, Manuel da Conceição Ribeiro, hoje CU3IR por transferência do Continente para a Base Aérea 4 na ilha Terceira onde se fixou, José Carlos Peixoto, CT2BK, também na Terceira emigrado nos Estado Unidos onde ainda hoje mantém o mesmo indicativo, Jorge Amarante da Costa, ainda da Terceira, CT2BA, cujo paradeiro actual desconhecemos, além de CT2AA, CT2AW, CT2AZ, CT2BB, CT2BC e CT2BD, todos militares americanos então estacionados na Base das Lages. Em Santa Maria pontificaram Alaor Batista Gouveia, CT2AE, Manuel Reis , CT2CB agora CU1CB, o primeiro radioamador de raiz mariense, António Pinto Madureira CT2BQ e esposa Lurdes Madureira, CT2YH, além do popularíssimo e muito prestável John, CT2BL que foi director do extinto Polígono de Acústica Submarina, actualmente K1FX.

Na ilha do Faial, Raul Leitão Fernandes, CT2BE, a única voz portuguesa a transmitir de Goa em 1960 e Otton da Silveira, CT2CV recentemente falecido. Os restantes são já da era actual e seria fastidioso a todos nomear uma vez que na Região já existe um total de 482 radioamadores licenciados, incluindo um apreciável numero de senhoras. Resta-nos apresentar as nossas desculpas se, involuntariamente, omitimos alguém.

Dos equipamento então usados referem-se, por ordem cronológica, os seguintes:

– AUTO-OSCILADOS

Os primeiros usados entre nós no período que decorreu aproximadamente entre 1928 e 1935 que se compunham de uma fonte de alimentação rectificada ligada directamente às válvulas de radiofrequência e modulação, habitualmente a A-45 em cada um dos andares. A sintonia era feita por uma bobine e um condensador variável. A potência destes emissores oscilava entre os 6 e 10 watts e apenas trabalhava nas bandas de 40 e 80 metros. A ligação à antena era directa o que  depois foi proibido quando da entrada em vigor do 1º Regulamento de que temos conhecimento.

– OSCILADOR CONTROLADO A CRISTAL

Tanto quanto sabemos o oscilador controlado a cristal começou a ser utilizado nos Açores em 1935. A fonte de alimentação fornecia ao andar final e modulador uma tensão entre os 300 e 350 volts. Estes andares eram normalmente compostos por duas ou quatro válvulas 6L6 excitadas por uma válvula 6v6. A modulação era feita em placa por válvulas iguais às de radiofrequência. O acoplamento de antena era feito por uma bobine sintonizada por condensador variável que, através de link, induzia radiofrequência na antena. A potência de saída oscilava entre os 25watts se com duas válvulas e 40 watts se com quatro válvulas. Ainda hoje se utilizam osciladores controlados a cristal.

– OSCILADOR DE FREQUÊNCIA VARIAVEL

Com o aparecimento do V.F.O. Gelozo, primeira peça de produção industrial de que temos conhecimento e que surgiu já em meados dos anos cinquenta começaram os andares finais a ser excitados por válvulas 6L6 com potência de 12 watts o que era suficiente para excitar 2 válvulas 807 em paralelo no andar final. A modulação era feita em grelha também por duas 807 e o pré-amplificador de áudio comandado por uma válvula 6J5. Desconhecia-se ainda o que era a neutralização do andar final. O acoplamento de antena era igualmente feito por bobine e link sintonizada por condensador variável, acontecendo que a bobine era substituída todas as vezes que se mudava de banda. Só mais tarde se começou a utilizar a saída em Pi. Com este oscilador já era possível trabalhar nas bandas de 10, 15 e 20 metros, para alem dos habituais 40 e 80 metros.

– BANDA LATERAL

O primeiro emissor de que temos ideia de banda lateral foi um Central Electronics Mod. 20ª, de produção industrial, como, alias, todos os que se lhe seguiram, pertemcente a CT2AH, Fernando Gamboa. Era controlado a cristal e tinha como interessante particularidade ter como único aparelho de medida um olho de boi. A potencia de saída era de 20 watts nominais.

Em seguida surgiram os famoso Heathkit a começar pelo modelo SB101, este já transceptor, que debitava 100watts à antena.

Outros de que temos conhecimento foram os Hammerlund HX-50, o conjunto emissor receptor Eldico, o transceptor Hallicrafters SR-2000 e, mais recentemente, as linhas Collins, Drake e Swan.

Como receptores no tempo anterior à segunda grande guerra, utilizavam-se os receptores de broadcasting Philco, Philips e Marconi, este último já um luxo de que só um ou dois se puderam aproveitar.

Após a guerra e como excedentes surgiram óptimos receptores de dupla conversão como os Hallicrafters SX-25, SX28, SX-42, SX-101, SX-111, Hammerlund SP-600, HQ-180 e National HRO. Depois desta época, com a entrada no mercado dos equipamentos japoneses, como o Trio 500 e 510, deu-se uma evolução muito rápida até à era actual.

    Como antenas refira-se que quase todos utilizavam a windom, com baixada em cabo paralelo de 300ohms, muito popular por ser multibanda. Todavia as dimensões variavam de radioamador para radioamador. Não se sabia o que eram ondas estacionárias e muito menos existiam aparelhos para medi-las. Outras utilizadas a Zeplin e uma Delta Loop. Só nos anos sessenta se fez um ensaio com uma antena directiva conhecida por “Maria Maluca” e em 1968 se instalou a primeira directiva de produção industrial, a Hy-Gain TH3 Jr. Logo de seguida por uma Mosley TA33, tambem junior. Depois surgiram muitas outras, não muito diferentes das que agora se usam.

Como curiosidade refira-se que o Dr. Francisco Gomes de Ornelas, ilustre clinico na freguesia da Bretanha, a poucos kilometros de Ponta Delgada, mandou um telegrama a seu genro, Sr. José de Vasconcelos Cesar, CT2AC, a informa-lo de que o tinha ouvido naquela freguesia. Foi depois considerada proesa de vulto, com honras de noticia nos jornais, a comunicação estabelecida por este senhor com a ilha de São Domingos.

Os meados dos anos de 70 foram marcados pelo aparecimento de uma forma diferente de radioamadorismo que é, e continua a ser, a “banda do cidadão”, mais conhecida pelo CêBê. Primeiro como clandestina, depois como consentida e finalmente como legalizada.

Porque o equipamento para este estilo de fazer radio era – e é – barato e porque não exigia – nem hoje exige – qualquer especie de exame, o que encoraja à partida as pessoas com escassês de conhecimentos, a ele facilmente aderiu um numero muito consideravel de praticantes que, algum tempo depois, se mostrava insatisfeito com os resultados obtidos e, procurando mais e melhor, acabou por transitar para o radioamadorismo. Foi a época do primeiro grande fluxo a esta actividade e, em dois ou três anos, dos menos de vinte radioamadores existentes na Região se atingiu a centena. Crescendo o numero cresceu tambem o desejo de se unirem vindo ao de cima este fenomeno natural que é o associativismo. Assim, com a maior das naturalidades, nasceu a ideia de se formar uma associação de radioamadores dos açores.

Anteriormente era, por Lei, exigido a qualquer candidato a radioamador, como condicionante à sua admissão a exame, que fizesse prova de ser sócio da Rede dos Emissores Portugueses, a unica associação de radioamadores consideradalegal no nosso País, como convinha a um regime dictatorial e centralista. Com sede, logicamente, em lisboa.

Os radioamadores açorianos, tal como outros das mais varias zonas do País, foram sempre sócios da REP por obrigação mais do que por convicção. Dé há muito se queixavam, salvo honrosas excepções por parte de algumas direcções da REP, que estavam a ser esquecidos e sub-estimados, tal o mau serviço que a REP sempre prestou aos radioamadores fora da Capital. Não se aplica aqui o, quanto a nós duvidoso adágio “ longe da vista longe do coração” até pelo muito respeito que nos merecem os nossos emigrantes que quanto mais longe da Pátria estão, mais a amam, em certos casos, o afastamento é, de facto, um grande adversário da união. O controle remoto torna-se muito mais dificil de suportar quando uma determinada entidade, neste caso a REP, pretende mais impor-se do que respeitar-se.

Uma vez que o 25 de Abril abriu as portas à liberdade de associação, os radioamadores da Região, perante tal panorama, facilmente aderiram à ideia de formação de uma associação açoriana e em 16 de Setembro de 1976, por escritura publica, nasceu a Associação de Radioamadores dos Açores.

    Dos seus iniciais anos de acção pouco surgiu de concreto uma vez que não havia uma sede condigna e tinham que ser iniciadas todas as infra-estruturas necessárias ao seu bom funcionamento, tal como a formação de um bureau de QSL, (posteriormente embargado pela REP), auscultação das necessidades dos Sócios, enfim e sintetizando, todas as tarefas necessariamente morosas para o arranque de qualquer associação. Pouco tempo depois seguiu-se.

A GRANDE CHAMADA DE ATENÇÃO …..

QUANDO A DESGRAÇA SE TORNA NUM MARCO DE PROGRESSO

    No dia 1 de Janeiro de 1980, por volta das 15h00, depois de uma longa noite de festejos em honra do Ano novo acabado de nascer, logo, decepcionantemente, cairam por terra as remoçadas esperanças que sempre nutrimos todas as vezes que o calendário nos aponta o inicio de mais um ano.

O horror, o medo, o panico, a angustia e até a duvida sobre se tal brutalidade não passaria de um horrivel pesadelo, tudo isto se fundiu num sentimento a todos comum de dor e desalento. Por via de um subito e violentissimo sismo de quase grau 8 na escala de Richter houve que chorar as vidas de 28 pessoas, lamentar as feridas graves em muitas outras e ainda a destruição total de centenas de residências e outros edificios de muito valor, tanto arquitectonico como historico, em tres ilhas do arquipelago.

    Foi a catastrofe que se consumou deixando em todos os que por esta tragica experiência passaram um mundo de incertezas, desespero e até um incrivel marasmo que só se explica pelo espanto e pela impotência. Era imperioso que se reagisse, que se arregassassem as mangas e que se pusse-se mãos à gigantesca tarefa de reconstrução. Faltava, todavia, a liderança. O poder politico para onde, naturalmente, todos viraram os olhos estava disperso, um pouco por toda a Região e, pior do que isso, inatingivel, uma vez que não existiam comunicações, consequência normal e quase inevitavel de acidentes de tal natureza e dimensão.

    Foi então que um radioamador, Victor Jorge Pamplona Ramos de seu nome completo, então com o indicativo CT2AP, correu para a Base das Lages onde trabalhava, lançou mão do equipamento que pode arranjar e se dirigiu a Angra do Heroismo de onde, a partir do Comando da Policia de Segurança Publica, improvisando milagrosamente uma antena para a banda dos 80 metros, pos a ilha Terceira em contacto com o exterior.

    Foi atraves das estações de amador que os responsáveis politicos desta Região puderam avaliar a situação e tomar as decisões que se impunham, devolvendo à população uma certa dose de alento e confiança. Foi atraves das estações de amador que Sua Excelência o Presidente da Republica se solidarizou com o povo dos Açores por intermédio de Sua Excelência o Presidente do Governo Regional dos Açores. Foi ainda atraves das estações de amador que as angustias de familiares e amigos das populações sinistradas foram acalmadas na maioria dos casos e infelizmente agravadas em outros. Se alguns casos grotescos existiram como aquele de um comerciante terceirense que erradamente anteviu que iria haver muita fome na ilha Terceira e usou a rede de emergência montada pelos radioamadores para encomendar 10 toneladas de bacalhau, muitos outros houve de verdadeira ansiedade, como aquele em que chegou a notícia de que a central eléctrica de emergência do Hospital de Angra se tinha avariado numa altura em que o bloco operatório estava em frenética actividade. Esta mensagem foi captada por um radioamador americano na Base das Lajes que imediatamente se pôs em acção e em cerca de vinte minutos os militares norte americanos deslocaram para o Hospital uma potente geradora e as cirurgias puderam prosseguir. Foram vinte minutos em que os corações bateram mais aceleradamente e depois do caso resolvido veio a explosão de alegria e todos dizíamos: -Nice work Dave, nice work. Por outro lado isso veio provar que, em matéria de solidariedade, todos os radioamadores do mundo afinam pelo mesmo diapasão.

    Depois de uma operação contínua de 76 horas sem minuto sequer para dormir o radioamador Victor Ramos sentiu-se perto do ponto de exaustão e pediu para S. Miguel que alguém o fosse render. Claro que havia mais radioamadores na Terceira, não muitos diga-se de passagem, mas eles também foram atingidos pela catástrofe e encontravam-se muito traumatizados e num estado emocional desaconselhável para operação de emergência que requer calma, ponderação e rapidez de reflexos. Seis radioamadores micaelenses sem pensarem sequer na sua própria segurança, deixaram a tranquilidade dos seus lares e partiram com os seus equipamentos num barco de guerra para os locais em que a terra tremia, as então chamadas terras da devastação e do medo. Três ficaram pela Terceira, dois foram para S. Jorge e outro para a Graciosa.

Por mais algum tempo durou esta rede de comunicações de emergência até que aos poucos os telefones se foram recompondo e a vida continuou, embora em condições mais precárias nas zonas sinistradas.

    Foi então o inicio de uma época de reflexão e analise. Já em período de acalmia foram recordadas as muitas perguntas que por falta de mobilidade ficaram sem resposta válida. Tínhamos que procurar outras vias e de imediato se chegou à conclusão que a solução técnica para situações que requerem movimentação e liberdade de acção é, sem sombra de dúvida, o V.H.F.

Perante o recem criado Serviço Regional de Protecção Civil que, confiando nos radioamadores nunca lhes recusou o apoio que lhe foi solicitado, a Associação dos Radioamadores dos Açores passou a ter muito que fazer. Assim nos finais de 1982 já inventariava 3 rádios de HF com respectivas antenas direccionais e rotores, um amplificador linear de HF, 3 repetidores de VHF com as respectivas cavidades e 3 geradores portáteis de média potência, para além de 3 transceptores de V.H.F. Todo este material se destinava aos três maiores centros populacionais que eram os três ex-distritos de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta.

    Mas isto era apenas o inicio pois a meta era, e ainda continua a ser, a cobertura integral da Região. Lenta mas seguramente se foi evoluindo neste sentido, a despeito de alguns acidentes de percurso.

Porque a cobertura conseguida com os três repetidores era manifestamente insuficiente, da ideia de cobrir as sedes dos distritos transitou-se para a de cobertura das sedes dos concelhos e em conformidade se instalou um repetidor na ilha de Santa Maria e, posteriormente outro na zona Leste de S. Miguel, mais propriamente no Pico do Bartolomeu, com destino à cobertura da Vila do Nordeste, Fazenda, Pedreira, Faial da Terra, Povoação, Furnas e Ribeira Quente, tudo zonas não cobertas ou que o eram muito deficientemente.

    E o tempo veio dar razão aos que assim pensaram. Um forte vendaval ocorrido em 26 de Fevereiro de 1986 em todas as ilhas provocou tremendos estragos nas redes eléctricas e telefónicas. Foi através dos radioamadores e da sua então mini-rede em VHF que a EDA soube da extensão das avarias e que meios materiais e humanos teriam que ser enviados para determinados locais. Por incrível que pareça até a Marconi recorreu aos radioamadores para saber o que tinha acontecido à sua antena parabólica instalada na Serra de Santa Barbara na ilha Terceira.

Depois foram as cheias na Povoação e Faial da Terra, a crise sísmica nestas mesmas localidades e ainda na Ribeira Quente e, para que nada faltasse, um trágico acidente de aviação em Santa Maria. Em todas estas circunstâncias os radioamadores, apoiados nos repetidores de VHF já instalados, podem orgulhar-se de terem prestado óptimos serviços.

Como consequência da instalação dos repetidores de VHF surgiu, pelo menos em Santa Maria, S. Miguel, Terceira e Faial o segundo grande afluxo de radioamadores. Porque o equipamento é relativamente barato e porque o uso de um pequeno transceptor de VHF não requer grandes conhecimentos técnicos, pelo menos a nível de exame e ainda porque até dá jeito a muita gente, o número de radioamadores na Região subiu em flecha o que muito contribuiu para a formação de novas associações. Assim em 28 de Maio de 1986 aparece na ilha Terceira a União de Radioamadores dos Açores (URA), então com sede na Silveira, em Angra do Heroísmo, que de 11 a 16 de Agosto desse mesmo ano, com o patrocínio do COFIT (Comissão de Festas da Ilha Terceira), leva a efeito o primeiro Congresso de Radioamadorismo dos Açores, que contou com a presença de alguns radioamadores continentais, da Madeira, das Canárias, da Bélgica e dos Estados Unidos.

Em 16 de Janeiro de 1991 formou-se na ilha do Faial o Clube de Radioamadores dos Açores (CRA), com sede na Casa do Cantoneiro, na Praia do Almoxarife.

    Em finais de 1992 é montado pela URA um repetidor de VHF na Serra do Cume, com o fim de cobrir a zona da Praia da Vitoria, zona não atingida pelo repetidor da Serra de Santa Barbara e nos princípios e meados de 1993, respectivamente, a ARA instala um repetidor no Pico da Urze, na ilha do Pico e um outro no Pico da Sapateira na ilha das Flores, este ultimo a ser transferido para o Morro Alto quando tal se mostrar possível, com o fim de cobrir toda aquela ilha e ainda a ilha do Corvo.

Colaborou também a ARA com a Câmara Municipal da Horta na aquisição de outro repetidor já instalado no Cabeço Gordo na ilha do Faial. Sabe-se também que a União dos Radioamadores dos Açores tenciona instalar no Pico da Esperança na ilha de S. Jorge um repetidor, aliás já adquirido, quando for possível construir o pavilhão para alojamento do mesmo.